No mês de junho é celebrado o orgulho LGBTQIAP+ no Brasil e no mundo e debate os desafios que essa comunidade enfrenta ano após ano. Naturalmente marginalizada dentro das estruturas e ambientes sociais, os transtornos psicológicos ganham destaque, principalmente devido aos gatilhos externos, como a própria LGBTfobia e a relação com a família

Quando falamos em saúde mental LGBTQIAP+, os fatores citados acima estão presentes na queixa de grande parte dos pacientes, como contou a psicoterapeuta voltada para a população LGBTQIAP+, Thaís Cristinne Ventura, em entrevista ao portal IG.¹

“[Os pacientes] trazem queixas diversas: questões de trabalho, relacionamento, família, saúde, etc., mas o ponto em comum que os conectam, além das condições sobre gênero e sexualidade, são as situações de preconceito e discriminação que vivem: não aceitação da família e medo de exposição no trabalho, por exemplo”, explica.¹

No ambiente profissional, apesar dos avanços dos últimos anos, quase metade da comunidade LGBTQIAP+ alega ter sofrido discriminação. Segundo pesquisa realizada pelo LinkedIn, houve aumento no número de pessoas que alegam ter sofrido algum tipo de discriminação em 2022 (43%), principalmente por meio de piadas e comentários homofóbicos, frente a 35% em 2019. ²

Entre os entrevistados, 47% disseram que suas empresas não têm práticas de ações de promoções da igualdade ou que eles não sabem da existência de tais ações. Com isso, a comunidade LGBTQIAP+ apresenta maior propensão a sofrer de problemas de saúde mental (47%) se comparada com os que se identificam heterossexuais cisgêneros (21%).²

Muitas pessoas não compartilham a própria orientação sexual ou identidade de gênero com colegas de trabalho por medo de impactos negativos em seu trabalho (23%) e medo de represálias (20%). ²

Como mudar essa realidade?

São números ainda alarmantes e que precisam ser trabalhados urgentemente dentro das empresas. E, para conhecer um trabalho concreto e que luta pela equidade profissional dentro do meio empresarial, conversamos com a Neila Lopes, head de diversidade e cultura da Sanofi, empresa na qual atua há cerca de 10 anos.

Ela nos conta que o seu cargo foi criado há dois anos e tem foco não apenas na comunidade LGBTQIAP+, mas também em outros quatro pilares: gênero, raça e etnia, pessoas com deficiência e gerações.

Ela explica que a Sanofi, multinacional farmacêutica da qual a Medley faz parte, tem cerca de 150 pessoas que participam das estratégias oficiais e corporativas de trabalho engajado com atividades de inclusão e isso inclui os principais executivos da empresa, que são padrinhos dos pilares.

"É uma questão global, mas que tem autonomia local, para que faça sentido na realidade do Brasil. Trabalhamos com indicadores e metas, pois é baseado em dados para concretizarmos os nossos objetivos", explica.

O trabalho de inclusão e equidade dentro das empresas é visto como algo a ser construído a longo prazo, mas que traz resultados a cada momento.

LGBTQIAP+ no mercado de trabalho

Segundo a especialista, antes de tudo é preciso entender que no Brasil não existem dados qualificados para saber o real tamanho da comunidade LGBTQIAP+. Além disso, o fator da segurança psicológica, que muitas vezes começa dentro de casa, deve ser levado em conta quando se pensa no acolhimento de todos.

"A atração de talentos vai começar na medida que o empregador vai ter um posicionamento favorável à diversidade dentro da empresa. Isso não significa apenas ter uma marca empregadora atrativa. Acredito que as empresas precisam demonstrar de maneira muito concreta um compromisso real, com ações concretas, conduzidas de maneira profissional", conta.

Por isso a importância de se oferecer segurança psicológica dentro do ambiente de trabalho, para que todos possam ter a liberdade de serem eles mesmos. "Assim, o profissional não precisa despender energia para performar uma outra identidade que não a dele. Que ele venha como ele é, para fazer o seu melhor para transformar a prática da medicina, que é o foco da Sanofi", complementa.

População trans

A head de diversidade e cultura da Sanofi chama a atenção para um recorte dentro da própria comunidade LGBTQIAP+. Ainda segundo o estudo feito pelo LinkedIn, citado no início deste artigo, 45% dos profissionais afirmam nunca ter trabalhado com pessoas trans e 77% sentem falta de representatividade de profissionais transgênero no mercado de trabalho formal.²

"O Brasil é, pelo 14º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Esse é um número que a gente tem vergonha. Os níveis de escolaridade das pessoas trans, assim como empregabilidade e analfabetismo são alarmantes. Essas pessoas têm muita dificuldade de ingressar no mercado de trabalho e as empresas precisam ser intencionais a esse respeito", diz Neila.

Na Sanofi, uma das iniciativas consiste em fazer mentorias para pessoas trans de fora da empresa, mostrando ferramentas para que esse grupo possa se preparar para o mercado. "Temos pessoas trans trabalhando na companhia, inclusive que passaram por todo o processo de resignação trabalhando conosco", conta.

Preconceito nunca é brincadeira

Outro ponto importante trabalhado na empresa é a questão das microagressões, que são aquelas atitudes preconceituosas que são tratadas como inofensivas ou "brincadeiras" pelo agressor, mas que machucam gravemente as vítimas. Para evitar esse tipo de situação, a Sanofi criou uma cartilha com o posicionamento que é esperado dentro da empresa e que mostra o que é ser uma pessoa LGBTQIAP+.

"Além disso, temos uma agenda de letramento e série de atividades durante o ano todo. A gente trabalha com as lideranças e toda companhia conceitos como comunicação não violenta, escuta ativa e vulnerabilidade. A gente investe na qualidade das relações e fala sobre as microagressões", conta.

Quando o diálogo não resolve, explica ela, a tolerância é zero com atitudes preconceituosas. “Temos comitês de ações disciplinares estruturados. Se acontece uma situação de discriminação que a pessoa presencia ou vivencia, ela tem um canal e se inicia uma investigação muito rigorosa. Se for comprovado que aconteceu uma situação de discriminação, a tolerância é zero para pessoa que a cometeu", diz.

A prioridade é sempre a construção de um ambiente de diálogo, mas situações que fogem a isso podem ocorrer e o recado é sempre claro: a Sanofi não aceita a discriminação.

"A gente sempre fala que pode ser aliado, ativista, mas não pode ser neutro. A gente não aceita neutralidade quando o assunto é discriminação", finaliza.

Um milhão de diálogos, além do mercado de trabalho

A Sanofi se engajou na iniciativa mundial "Um milhão de diálogos", onde o Brasil aparece como um dos cinco países nessa primeira etapa, junto com França, Japão, EUA e Reino Unido. Funciona assim: pesquisadores ouviram quase 12 mil pessoas de grupos minorizados nessas comunidades e perceberam que há um intenso processo de falta de confiança no ecossistema de saúde.³

Dermatoses provocadas por doenças psiquiátricas como Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC) 6:

As pessoas que se identificam como LGBTQIAP+ que relatam uma experiência negativa no ecossistema de saúde chega a 66%, contra 58% de seus pares heterossexuais.³

A pesquisa também explorou a confiança e a interseccionalidade. As pessoas que se enquadravam em mais de um desses grupos menorizados eram significativamente mais propensas a ter uma experiência ruim ao procurar atendimento, como grupos étnicos de minorias, que no Brasil é predominantemente composto por pessoas negras, e pessoas que se identificam como LGBTQIAP+ (90% em comparação com 76% das pessoas que não se identificam com nenhum desses grupos).³

"A Sanofi trouxe essa iniciativa, porque queremos promover esses 1 milhão de diálogos até 2030, para que o ecossistema de saúde possa ouvir para que a mudança ocorra. Embora seja encabeçado pela Sanofi, nosso convite é para que outras empresas participem, porque é de interesse de todos", explica Neila.

Orgulho LGBTQIAP+

28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+. A escolha da data deve-se ao fato de ter ocorrido, nesse dia, no ano de 1969, a rebelião de Stonewall Inn, quando os frequentadores do bar homoafetivo decidiram enfrentar a violência policial. O único lugar seguro para o público LGBTQIAP+ até então, tornou-se o epicentro da marcha do orgulho no ano seguinte quando 10 mil pessoas se reuniram para celebrar o aniversário da rebelião.4

 

A celebração do orgulho conquistou diversos espaços no mundo e angariou pessoas para a causa LGBTQIAP+. No Brasil, a parada de São Paulo figura entre as maiores do mundo.4
 

MAT-BR-2302878