Os diversos desafios na vida da mulher negra

Em 2008, a escritora brasileira Ana Cláudia Lemos Pacheco, autora do livro 'Mulher negra: afetividade e solidão', publicava uma tese de doutorado sobre essa mesma temática. Em sua justificativa, ela explica que ao participar de mobilizações políticas das mulheres negras acabou entrando em discussões sobre relacionamentos afetivos entre homens e mulheres na organização da qual fazia parte. ¹

Questionava-se, de um lado, a dificuldade que as mulheres negras tinham em encontrar parceiros fixos para uma relação afetiva estável, e, por outro lado, os conflitos de gênero entre homens e mulheres. Tinha-se o entendimento de que as mulheres negras brasileiras, em geral, inclusive as militantes, não eram parceiras afetivas preferidas dos homens negros e nem dos homens brancos para constituírem um relacionamento afetivo estável, sendo as mulheres brancas as parceiras afetivo-conjugais preferenciais'.

Ela relata que o discurso sobre a solidão da mulher negra, devido à ausência de parceiros fixos, passou a ser recorrente em vários fóruns do movimento negro e de mulheres negras, e se ampliou para outros espaços sociais, nas reuniões informais e nas redes de amizade. ¹

Segundo ela, a mulher preta e mestiça estaria fora do “mercado afetivo” e naturalizada no “mercado do sexo”, da erotização, do trabalho doméstico, feminilizado e “escravizado”; em contraposição, as mulheres brancas seriam, nessas elaborações, pertencentes “à cultura do afetivo”, do casamento, da união estável. ¹

Afinal, do que se trata a solidão da mulher negra

Conversamos com a jornalista e ativista Lilian Ambar, que atua na defesa dos direitos da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade social e autora do artigo jornalístico "Precisamos falar sobre a solidão da mulher negra", publicado em 2020. Hoje, com 43 anos, e toda uma trajetória de vivência como mulher preta, ela entende que essa questão é estrutural e ainda uma herança da escravidão, que sempre colocou a mulher negra em cargos de subserviência.

"Não sei se inconscientemente, mas os homens acabam reproduzindo. Os homens brancos acabam vendo as mulheres pretas dessa forma e isso também é fruto que vem da reprodução da mídia, dos espaços de poder. Tem a questão do carnaval, onde os corpos negros são sexualizados. Tudo isso corrobora para que sejamos vistas apenas como mulheres para o sexo e não para relacionamento ou um compromisso sério".

Mercado de trabalho

Quando trazemos a discussão para o mercado de trabalho, Lilian explica que são vários os desafios encontrados pela mulher negra. “Não temos tantas mulheres negras em cargos de liderança por conta do racismo estrutural e pelo patriarcado. Estamos em uma luta muito intensa enquanto mulheres para ascender. Tem mudado lentamente, mas precisa acelerar o processo. Quando se trata de mulheres pretas, o número diminui muito mais”, diz.


Apesar de não ser predominante, a hiperssexualização do corpo negro também influencia nessa equação, diz Lilian. “Tem essa questão de a mulher negra ainda ser vista como a ama de leite, empregada doméstica ou babá. Ainda existe esse estereótipo de o patrão ter acesso a essas mulheres nesses locais, e voltamos à questão da hiperssexualização”.
 

Saúde mental

Toda essa sobrecarga mental seja na vida pessoal ou na profissional, pode provocar efeitos psicológicos nessas mulheres, como explica Viviane Coelho, que foi assistente social e diretora de políticas públicas para as mulheres da Prefeitura de Belo Horizonte.


Em entrevista ao site da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Viviane explica que a solidão pode ocasionar crises e até processos depressivos. 


“No campo emocional, as mulheres negras são as que menos casam. (...) Temos a solidão afetiva, das mulheres não se casarem e serem abandonadas pelos homens, tanto a solidão profissional e acadêmica. Mulheres negras que estão na academia e não têm pares, não tem outras mulheres negras ali. Mulheres negras que têm que dar conta sozinhas das suas vidas, o que não é saudável e, emocionalmente, essas mulheres ficam com as estruturas muito abaladas, o que pode ocasionar crises, surtos e processos depressivos”, explicou.


Segundo ela, há um descrédito da sociedade com a mulher negra, o que prejudica até nos tratamentos de saúde. “Temos muitas mulheres negras em depressão e isso não é visto como um problema a ser enfrentado. É visto como uma fraqueza dessas mulheres, como um vitimismo e histeria. Então, existe toda essa visão pejorativa que dificulta o entendimento de que essas questões precisam ser trabalhadas com políticas públicas", completou.


Apesar de todos os desafios apresentados acima, a jornalista e ativista Lilian Ambar avalia que o momento atual do Brasil passa por um processo de transformação e que vozes dos movimentos negros começaram a serem ouvidas por causa das mídias sociais, fazendo um contraponto à grande imprensa. "O racismo nunca esteve tanto em debate como está atualmente. Mas temos muito a mudar, temos que mudar a base, a sustentação econômica, temos que estar nos espaços de poder para, então começar a mudar esse cenário.
 

Referências:

  1. Ana Cláudia Lemos Pacheco, “Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar": escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia [2008]. Disponível em: https://cdn.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2015/09/PachecoAnaClaudiaLemos.pdf.  Acesso em: Julho, 2022
  2. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Impactos do racismo na saúde mental da mulher negra. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/impactos-do-racismo-na-saude-mental-da-mulher-negra/. Acesso em: Julho, 2022.

MAT-BR-2204251