DEPOIS DO CÂNCER DE MAMA: "COMO LIDEI COM A PERDA DOS DOIS SEIOS"

Com 31 anos, Francine Papa foi diagnosticada com um câncer que a fez perder as suas mamas. Oito anos depois, ela conta como foi o tratamento e a adaptação à nova vida.

Em dezembro de 2010, dias antes de uma viagem de final de ano pela Europa, a terapeuta Francine Papa foi diagnosticada com câncer na mama direita. O diagnóstico não estragou seus planos: foi viajar e fez tudo como se fosse a última vez. Passeou de gôndola, comeu e bebeu o que desejava, revisitou os lugares favoritos e ficou em Veneza por mais tempo do que o planejado

"Eu acho que a cada três anos passei por uma mudança, uma nova adaptação. Você começa a quebrar suas próprias crenças em relação àquilo que passou" conta.

Quando voltou, em 2011, fez tratamentos para o câncer que levaram embora cada fiozinho de cabelo presente em seu corpo e, por fim, suas duas mamas. No entanto, oito anos depois, sente-se pronta para contar sua história sem pudores e de forma espirituosa. "Eu acho que a cada três anos passei por uma mudança, uma nova adaptação. Você começa a quebrar suas próprias crenças em relação àquilo que passou", conta.

O DIAGNÓSTICO

No ano do diagnóstico, Francine trabalhava como representante de laboratório e tinha uma vida corrida. Acordava cedo e só ia dormir após a meia-noite. Tinha 31 anos. Quando começou a se sentir muito cansada e a ter doenças relacionadas à baixa imunidade, como candidíase e inflamações, decidiu procurar a ginecologista.

Pela primeira vez, fez o exame clínico de mamas e nada foi encontrado, pois o tumor estava bem atrás do mamilo. Tempos depois, foi ao hospital com dor no rim e febre baixa. "Dei sorte pois foi o dono da radiologia quem fez meus exames, um profissional muito experiente. O tumor não apareceu na imagem, mas ele o sentiu. Então colocou no relatório que eu tinha uma lesão de 8 mm", diz.

A ginecologista disse que Francine não tinha nada, mas o diagnóstico não a convenceu. Como trabalhava dentro do Hospital das Clínicas, procurou um mastologista que confirmou o carcinoma. Em um intervalo de 20 dias, o tumor havia crescido 4 cm.

Segundo o mastologista, a paciente não estava na pior situação possível, mas o diagnóstico também não era dos melhores. O carcinoma crescia rápido. Seria preciso fazer seis aplicações de quimioterapia e, em seguida, a mastectomia. O tratamento duraria, em média, seis meses.

GENTE QUE VAI E GENTE QUE FICA

Para a terapeuta, uma das partes mais difíceis do diagnóstico é contar para a família. "A primeira coisa que as pessoas dizem quando você conta é 'não entendi'", relembra. "Parecia que tinha errado em alguma coisa. Logo eu, que sou tão cuidadosa. Então fiquei carregando essa culpa (da doença) e entrei em um processo de entender onde aquilo tinha começado", afirma.

Após o diagnóstico, Francine conta que "foi todo mundo para o hospital". Sua mãe estourou os dois ligamentos do joelho e sua avó passou por uma cirurgia do coração. Como a terapeuta estava acostumada a dar conta de tudo e a resolver os problemas da família, não foi fácil. Além disso, pessoas próximas se afastaram. Por outro lado, amigos e conhecidos mais distantes ajudaram no que puderam e a surpreenderam.

PERDA DE VAIDADES

Felizmente, o tratamento de Francine foi um sucesso. Foram seis sessões de quimioterapia a cada 20 dias e, na terceira aplicação, o tumor já havia desaparecido. Porém, o médico preferiu finalizar o tratamento conforme o programado.

As duas primeiras sessões de quimioterapia correram sem grandes efeitos colaterais. Mas após 45 dias, todos os seus cabelos, pêlos, sobrancelhas e cílios caíram de uma vez, da noite para o dia. "Eu vejo esse tratamento como uma perda total de vaidades. Tudo o que você acha que tem, de repente não tem mais. Você dá de cara com outra pessoa, sem cabelo nem sobrancelha, inchada por causa do corticoide e sem mobilidade", conta.

Francine perdeu 30% da musculatura no processo e, em certo momento, não conseguia sair do quarto para chegar ao banheiro. Além disso, ficou com pavor de agulha. "Agora estou melhor, mas antes, quando ia tirar sangue, avisava o atendente que poderia dar um salto mortal quando ele me picasse", brinca.

Antes da última sessão, decidiu que não aguentava mais o tratamento. Tentou negociar com o médico, mas ele insistiu para que a fizessem.

"Eu não tinha nem forças para ler. Então comecei a ouvir livros em áudio, feitos para cegos,"  explica.

Por fim, por ser muito agressivo, o tratamento induziu à menopausa precoce. Por consequência, experimentou os conhecidos sintomas, como as ondas de calor.

Porém, Francine conta que tentou manter a autoestima mesmo careca: quando não usava peruca, estava de chapéu. "O atendente que me acompanhava na quimioterapia perguntava para onde eu estava indo, pois chegava para as sessões de vestido longo, bolsa pendurada e chapéu, sempre ouvindo um mantra", brinca.

MAMAS NOVAS, VIDA NOVA

Um mês após o tratamento, fez a mastectomia e retirou as duas mamas. Ainda que o tumor fosse apenas na direita, preferiu tirar as duas por prevenção, pois caso mantivesse a esquerda, as chances de o câncer voltar seriam grandes. Na própria cirurgia, colocou próteses de silicone: 630 ml em cada mama. Parece muito, mas foi a quantidade suficiente para que continuasse usando o mesmo número de sutiã.

Francine explica que, a princípio, você não liga muito para o resultado da mastectomia, pois o grande objetivo é se livrar do problema e continuar viva. Mas tempos depois, a aparência da mama pode incomodar. A primeira prótese, por exemplo, não a agradou, pois tinha uma base larga. Além disso, como a mama foi retirada completamente, a temperatura do local mudou. No frio, por exemplo, não esquentam como o resto do corpo. Também foi preciso se adaptar a dores e coceiras fantasmas.

Em 2017, quando a prótese começou a vazar, foi preciso trocar por uma nova. Finalmente, colocou a que desejava.

"Eu amei, ficou lindo. Quis ela mais pontuda para a frente, fazendo a curvinha. Mostro para todo mundo, quero ostentar",  afirma.

Para a terapeuta, as próteses antigas estão associadas ao tratamento contra o câncer de mama e a tudo o que sofreu. As novas próteses, portanto, vieram como uma oportunidade. "Posso dizer que meu tratamento só fechou ano passado, com as novas mamas. É como se o histórico de dor fechasse naquele momento", revela. "Foram oito anos, mas hoje levo uma vida normal. Mas são fases: quando você supera uma coisa, aparece outra com a qual precisa lidar. É superação o tempo inteiro", desabafa.

Após o tratamento, Francine mudou muita coisa em sua vida. Saiu do laboratório e se tornou terapeuta. Hoje, trabalha como facilitadora em constelação familiar. Passou a se alimentar melhor, a se exercitar, eliminou tudo o que já não fazia sentido e terminou o casamento. "Durante o tratamento, eu entendia aquilo como algo que precisava para reorganizar a minha vida e colocá-la em ordem. Fui passando tudo a limpo", explica.

Porém, ela acredita que tudo são fases. Alimentar-se bem, trabalhar com o que gosta e evitar o estresse é importante. Mas também é preciso ser gentil consigo mesma e entender que o difícil faz parte da vida. Uma das dificuldades é aceitar que a cura definitiva nunca chega, mesmo que atualmente não tenha câncer. "Mas hoje eu venci", finaliza.

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