Mulheres, a vida multitarefa e tão necessária rede de apoio.

Ser uma mulher do século 21 pode significar mais autonomia, oportunidades de emprego e mais poder de fala.

Conquistas importantíssimas das últimas décadas, mas que, apesar de serem motivo de comemoração, ainda são uma pequena parte da luta por igualdade de gênero.

Apesar dos avanços estruturais, algumas mudanças culturais parecem estar resistindo ao passar do ano e um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021 demonstra que as mulheres continuam sendo a mão de obra disponível para o que é chamado de 'trabalho invisível'. 1

Pouca gente percebe, mas no nosso dia a dia existem diversas demandas que parecem pequenas, mas ao serem somadas, geram uma responsabilidade e cansaço emocional que geralmente recaem sobre a mulher. Cuidar da casa e dos familiares representa a maior parte desse trabalho invisível.

Segundo o estudo 'Tempo de Cuidar', da ONG Oxfarm Brasil, se esse tipo de trabalho fosse remunerado, movimentaria na economia um valor na casa dos US$ 10 trilhões a cada ano. Isso significa, por exemplo, o triplo de valor da indústria de tecnologia em 2020.2

Mulher multitarefa

O trabalho de cuidado é essencial para nossas sociedades e para a economia. Ele inclui o trabalho de cuidar de crianças, idosos e pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, bem como o trabalho doméstico diário que inclui cozinhar, limpar, lavar e consertar coisas. Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas tarefas diárias essenciais, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas.

Segundo o IBGE, em 2019 as mulheres continuavam dedicando mais de 10h a mais por semana do que os homens aos cuidados domésticos. Enquanto eles declararam cerca de 11 horas às atividades, elas chegaram, em média, a 21,4 horas a cada semana.1

A consciência dessa dupla jornada de trabalho feminina (ou muitas vezes tripla), que envolve o trabalho formal, ou seja, a profissão que a mulher escolheu e os afazeres não remunerado, fez com que mulheres no mundo todo se reunissem para criar redes de apoio e se fortalecessem em momentos que mais precisam de ajuda.

Para entender como é formada uma rede de apoio, é só pensar, por exemplo, na tradicional rede de apoio familiar, quando uma irmã, uma mãe ou sogra se solidariza, por exemplo, com uma mãe nos primeiros dias após o nascimento do filho. A chamada rede de apoio materno.

Esse é um momento muito simbólico, pois é onde a mulher está mais vulnerável, muitas vezes se recuperando de um parto e que precisa, sim, de apoio. Mas as redes vão muito além destes momentos. Separamos três exemplos para você entender o que é uma rede de apoio efetiva, reunindo mulheres dispostas a ajudar até mesmo desconhecidos.

Rede de apoio e maternidade

Esse é, sem dúvida, um dos momentos mais importantes na vida de uma mulher e com toda a carga física e emocional que um parto pode trazer, uma rede de apoio é muito bem-vinda. Foi isso que descobriu a roteirista e autora do blog @seligamae, Andressa Rosa, que por meio de seus livros e plataformas digitais leva uma voz de conforto para mulheres que se sentem perdidas e desacolhidas durante a maternidade.
 

“A minha missão é ajudar mulheres a reconhecerem o potencial de suas próprias histórias e ajudarem a serem protagonistas das próprias maternidades. O Se Liga Mãe surgiu de uma urgência de compartilhar a minha maternidade, tentando mostrar um pouco de equilíbrio em um mundo que é feito de extremos, com mães que praticamente demonizam a maternidade, tirando apenas fotos de olheiras e um feed cheio de casas bagunçadas. Por outro lado, temos as que mostram a maternidade perfeita, aparecendo no puerpério com barriga chapada e gravando Stories às 8h completamente maquiadas e de cabelo feito”, disse.

Unidas pela arte

A nossa segunda mulher inspiradora utiliza a arte para reforçar o poder feminino e a sororidade. Artista plástica e poetisa, Ocí Ferreira utiliza as suas criações para mostrar as emoções do universo feminino. “Através de pinturas conectadas às poesias, abordo temas como abuso, opressão, violência, maternidade, empoderamento, superação, igualdade e liberdade. Transformei em arte tudo que vivi, ouvi e presenciei. Além de ser uma forma de autocura, percebi a extrema necessidade de se jogar um holofote nessas questões tão necessárias”, disse ela.

Sua exposição mais recente se chama ‘A Força do Feminino’, que aborda temas difíceis de serem digeridos de uma forma mais leve e sensível. “As duas frases que mais ouço é ‘você tocou a minha alma’ e ‘me senti representada’”.

Ao perceber que muitas mulheres se emocionavam a ponto de chorar em sua exposição, Ocí decidiu criar o projeto “A Sua Voz Aqui”, que conta com relato dessas expectadoras que também tinham algo a falar. “Todas tinham em comum uma imensa necessidade de me fazer seus relatos e também demonstravam um grande querer que a mensagem transmitida pela minha arte alcançasse o máximo possível de mulheres. Então, para mim não faria sentido apenas a minha voz se fazer presente. Preciso usar da minha arte e da visibilidade que ela proporciona, para dar voz a cada mulher. Sou por elas e elas são por mim. Essa é a união pela qual minha arte clama”.

Dessa maneira, unindo arte, representatividade e espaço para diálogo, a artista plástica criou uma rede de autoconhecimento e de incentivo para que mulheres se sentissem representada e estimuladas a compartilhar suas vivências. Uma rede de sororidade.

Acolhendo com amor

Uma associação sem fins lucrativos para dar apoio a mulheres e homens que perderam seus parceiros tem sido uma das razões da vida de Andréia Baroni, uma das fundadoras e idealizadora da associação Acolhe com Amor.

A ideia veio após a morte de seu esposo, Rodrigo, e os desafios de se vivenciar o luto e a viuvez. “É um momento de muita dor, angústias, questionamentos, preocupações e também momento de correr atrás de muitas burocracias. É uma fase onde o corpo e a mente não se entendem; o vazio se apropria do todo e não deixa espaço para as ações mais simples como, se alimentar, se banhar, acordar e levantar”, explica a idealizadora.

Após viver tudo isso, Andréia percebeu que de alguma forma poderia contribuir com pessoas que assim como ela vivenciam ou vivenciaram o luto. Reuniu algumas amigas e deu início a esse projeto que tem como principal objetivo ser uma rede de apoio para viúvas e viúvos.

“Acreditamos que compartilhando as vivências de cada um minimizaremos a dor do outro, pois com isso percebemos que essa triste realidade não acontece apenas conosco, e mesmo sendo cada um com o seu drama, dentro da sua realidade, a essência é sempre a mesma. E juntos vamos reaprender a viver, de um modo diferente, mas que poderá ser muito feliz”.

O perfil no Instagram da entidade, o @acolhecomamor, traz relatos de pessoas que perderam seus companheiros e promove roda de acolhimento virtual. Conversar sobre o assunto, que muitas vezes vira tabu dentro da própria família, pode ser uma maneira de se prosseguir.

Segundo ela, durante a pandemia o projeto começou a atender virtualmente pessoas de todo o país e até em outros lugares do mundo. "Uma moçambicana nos procurou, já que não existe esse tipo de rede de apoio no país onde ela vive. Acreditamos que o isolamento fez com que aumentassem as procuras online, já que vivemos um momento em que a Covid-19 muitas vezes impede que façamos nosso processo de despedida como éramos acostumados", disse.

Segundo a associação, cerca de 60% das pessoas que participam das rodas de acolhimento mensais são viúvas e viúvos por Covid-19. Desses, mais de 90% são jovens, entre 30 e 40 anos.

Sobre as mulheres, ela nos conta que o que a maioria precisa é de suporte para lidar com a instabilidade emocional e, sobretudo, conselhos. "Muitas mulheres ficam extremante vulneráveis, fragilizadas e poder oferecer suporte, levar esperança de que dias melhores estão por vir, mostrar que precisamos ser pacientes e dar um passinho a cada dia e que aos poucos a vida voltará a sorrir 'apesar de' é algo que não se descreve, só se pode sentir. Quanto mais acolhemos, mais cresce a vontade de acolher em toda a nossa equipe".

Seja um ponto de apoio

Como vimos, há muitas maneiras de ajudar mulheres em momentos difíceis. A rede de apoio pode partir de todas nós, com as pessoas mais próximas, mas também para desconhecidos. A vivência de cada um pode ser o diferencial para momentos de angústia.

Como no caso do Acolhe com Amor, onde uma viúva recente precisa enfrentar processos burocráticos inesperados, como inventário e outros assuntos relacionados ao tema. Quem já passou por isso pode dar dicas, apoio e um pouco de segurança.

Em outros casos, mães que já passaram pelos primeiros dias de uma maternidade podem dar dicas, contar suas experiências e ajudar quando for solicitada por mães de primeira viagem. Além disso tudo, existe um universo de experiência que muitas mulheres passam ao logo da vida. Algumas positivas, outras traumáticas, mas que podem se transformar em um fio de esperança para outras pessoas que passam pela mesma situação.

A rede de apoio é diversa e, para saber se você pode ajudar ou não, basta olhar para o lado e se perguntar: será que ela precisa de ajuda?

Caso seja você quem precisa de apoio, separamos algumas instituições que podem te ajudar nas mais diversas situações, como começar um novo negócio, uma rede de apoio para mães ou para mulheres vítimas de violência doméstica.

Não estamos sozinhas!