Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou pandemia do novo coronavírus. Uma doença que, em poucos meses, teve o seu grau de transmissão tão potencializado que chegou a várias partes do globo, causando internações e mortes. Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que logo nos primeiros meses da pandemia, 80% da população brasileira estava mais ansiosa e isso se devia a uma série de fatores.1

Segundo os pesquisadores, mulheres jovens, com menor nível de escolaridade, maior período de isolamento social e com histórico de doença psiquiátrica foram as que mais se afetaram com os efeitos da pandemia.1

Para entender os efeitos do isolamento social no cansaço mental, cansaço físico e emocional, convidamos a psicóloga clínica Daniela Oliveira, integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de vida do Hospital das Clínicas de São Paulo para falar sobre as situações que se tornaram comuns por conta do avanço da Covid-19 e dar dicas de como lidar com elas.

Resolvi mudar de vida na pandemia.

Todo mundo conhece alguém que aproveitou o momento de isolamento, muitas vezes até do desemprego, para poder colocar em prática antigos projetos. Um momento de dificuldade ou reflexão pode, segundo a psicóloga, revelar algumas realidades que estão na nossa frente, mas que o cansaço excessivo do dia a dia não nos deixava enxergar.

“Quando a gente se depara com esses momentos muito difíceis, podemos ter uma angústia existencial. E é nessa reflexão que podemos dar um novo rumo para as nossas vidas, revisando as escolhas que fizemos até então e decidindo se queremos manter aquela rota, muitas vezes marcada pelo cansaço físico e mental. A escolha é difícil, pois por mais que a gente ache que não está tão bom, aquilo que não é tão bom já é conhecido”, explica a psicóloga. 2

A dica, neste caso, é estabelecer reuniões mais curtas, com o máximo de 20 minutos, e com pautas muito bem definidas, justamente para os profissionais terem tempo para executarem suas tarefas. “Quando falamos de home office, acredito que as pessoas deveriam ter mais tempo de cuidar das suas casas, de suas vidas. A gente deveria estar com tempo sobrando para cuidar da nossa saúde física, fazer terapia, cuidar das relações”, completou.

Outra dica da psicóloga é que o funcionário comece a administrar o próprio tempo, mesmo em um dia repleto de tarefas. “ É preciso fazer pausas, tomar um café, tirar alguns minutos, descansar os olhos, olhar para o céu. Ao descansar os olhos, acionamos o sistema parassimpático, que é uma parte do sistema que nos permite pensar nas respostas, pois caso contrário estamos ativando o tempo todo o sistema de luta ou fuga, que é o nosso sistema de alerta. Estamos sempre reagindo muito rápido e não conseguimos pensar direito. Caminhe pela casa, estique as pernas, se alongue, pois isso ativa outra parte do sistema nervoso que nos permite raciocinar. Eu aconselho comece a organizar uma rotina que contemple pequenas pausas”.

Veja também: Mindfulness: o que é e como ajuda na saúde mental

O estresse diário do home office

Ao contrário de outras epidemias, a da Covid-19 acontece em um momento em que o planeta está extremamente conectado e o isolamento social não, necessariamente, diminuiu o ritmo de trabalho e interação. Mesmo que derivados do mundo virtual, o cansaço físico e o cansaço mental podem aparecer.

Segundo a especialista, a pandemia trouxe as vantagens da tecnologia, mas os próprios seres humanos acabam dificultando esse processo. “Será que nós vamos aprender a confiar uns nos outros e a trabalhar à distância e em equipe, para que todos possam usufruir, por exemplo, do maior tempo que se passa na própria casa? ”

Ela diz que tem ouvido muitos relatos de pessoas que tiveram a exigência da produtividade aumentada. “Isso é um absurdo, pois nossa produtividade já estava mais alta do que a gente dava conta na maioria dos casos. Essas infinitas reuniões que acabam não resolvendo nada só contribuem para o estresse e cansaço psicológico das pessoas, que simplesmente não conseguem trabalhar”.

E de acordo com aquele estudo da UFRS sobre a saúde mental do brasileiro na pandemia, alguns sintomas estão mais presentes, como a ansiedade, depressão, raiva, sintomas somáticos e problemas de sono.

A dica, neste caso, é estabelecer reuniões mais curtas, com o máximo de 20 minutos, e com pautas muito bem definidas, justamente para os profissionais terem tempo para executarem suas tarefas. “Quando falamos de home office, acredito que as pessoas deveriam ter mais tempo de cuidar das suas casas, de suas vidas. A gente deveria estar com tempo sobrando para cuidar da nossa saúde física, fazer terapia, cuidar das relações”, completou.

Outra dica da psicóloga é que o funcionário comece a administrar o próprio tempo, mesmo em um dia repleto de tarefas. “ É preciso fazer pausas, tomar um café, tirar alguns minutos, descansar os olhos, olhar para o céu. Ao descansar os olhos, acionamos o sistema parassimpático, que é uma parte do sistema que nos permite pensar nas respostas, pois caso contrário estamos ativando o tempo todo o sistema de luta ou fuga, que é o nosso sistema de alerta. Estamos sempre reagindo muito rápido e não conseguimos pensar direito. Caminhe pela casa, estique as pernas, se alongue, pois isso ativa outra parte do sistema nervoso que nos permite raciocinar. Eu aconselho comece a organizar uma rotina que contemple pequenas pausas”.

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Estou na linha de frente, e agora?

Por falar em vida profissional, poucos foram mais afetados pela pandemia do que os profissionais da área da saúde, que lidam há meses com a fadiga extrema de atuar na linha de frente da pandemia. Maria de Holanda, 38 anos, é técnica de enfermagem em dois hospitais de São Paulo e lembra do primeiro impacto da pandemia na sua vida.

“Foi tudo muito assustador, vendo toda aquela situação de desespero da população e de colegas de trabalho. Meu psicológico foi muito afetado com tanta informação e, ao mesmo tempo, com tanta falta de informação do que estávamos enfrentando, me fazendo perder o sono, refletir sobre continuar no emprego, com medo de contaminar a minha família”, relembra

Maria confessa que chegou a chorar muitas vezes a caminho do trabalho, com medo da contaminação. “Com o passar do tempo e percepção de que os protocolos funcionavam, nós da área da saúde conseguimos diminuir um pouco a tensão, mas ainda assim é muito triste ver tantas pessoas perderem as suas vidas tão rapidamente, com falta de ar, como alguns colegas de trabalho que se foram. Nessa hora, o que vem é o sentimento de impotência que só foi substituído pelo alívio quando finalmente fui vacinada”, relata.

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O sentimento de paralisia, explica a psicóloga Daniela Oliveira, é comum nesses casos de cansaço excessivo. “É como se o sistema nervoso não conseguisse desligar. Os profissionais da saúde estão em alerta o tempo todo, o que desenvolve um processo inflamatório corporal e emocional”.

A dica aqui, diz ela, é procurar ajuda profissional para lidar os sintomas do cansaço mental. “Nós da área da saúde podemos ajudar a própria área da saúde, para eles trabalharem e diminuírem a chance de uma Síndrome de Burnout ou até estresse pós-traumático”

A saúde mental de quem perdeu alguém

Quase todo brasileiro conhece alguém que perdeu a batalha para Covid-19 e outros milhares perderam a convivência de alguém dentro da própria casa. Esse é o caso da empregada doméstica Kátia Sontachi, 49 anos, que perdeu o marido, Fabiano, no começo do ano de 2021.

Parceiros de longa data, enfrentaram os desafios da falta de trabalho no início do isolamento e se reinventaram, quando passaram a vender marmitas para poder pagar as contas. As coisas pareciam estar encaminhadas quando o casal voltou a trabalhar, mas aí veio a segunda onda da Covid-19 e Fabiano foi infectado.

Os dois ficaram doentes, mas o marido de Kátia não resistiu à doença, deixando muita saudade e um sentimento de perda que levou a doméstica e cozinheira a procurar a terapia pela primeira vez na vida, onde descobriu estar com depressão.

“Eu nunca tinha feito terapia e gostei bastante do atendimento que tive com a psiquiatra, que me ajudou a entender que o que eu estava sentindo era depressão e não uma tristeza normal do dia a dia. O problema é que, após a morte dele, eu continuei vivendo e não tive tempo para o luto e isso me derrubou”, contou.

Daniela Oliveira diz que é preciso viver o momento de luto, para então continuar a vida. Muitas vezes a necessidade de continuar trabalhando ou de, simplesmente, tentar fugir do ambiente que mais lembra a pessoa perdida, pode causar um cansaço emocional que acaba aparecendo em outro momento. “Os rituais de luto servem para que a gente possa entrar em contato com a dor da perda e, vivendo a dor da perda, a gente possa continuar. Se a gente não parar para sentir essa perda, a gente não consegue continuar”, disse.

Ela explica que a depressão é uma das etapas do luto. Nem todos vivem todas as fases, mas as principais são: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. “A depressão é quando a gente começa a aceitar que aquela pessoa não está mais conosco e que ela não vai voltar, é quando a gente começa a sentir aquela tristeza. E depois vem a aceitação, de que a morte é a parte de estar vivo e podemos seguir com a vida”.

Com a ajuda profissional, Kátia entendeu que viveu todas as fases, exceto a raiva. Agora, diz ela, a aceitação parece estar mais próxima e os momentos de tristeza na verdade acabam virando saudade.

“Uma das coisas para a gente poder chegar na aceitação é perceber o quanto existe da pessoa dentro de nós. O que ela deixou para a gente e como a passagem dela pela nossa vida nos preenche, permite que a gente continue a sentir ela viva, dentro de nós mesmos”, disse a médica.

Procure ajuda

O cansaço psicológico pode ter influência direta no nosso dia a dia, prejudicando a qualidade do sono e trazendo outros sintomas que podem ser: cansaço físico e extremo, cansaço e falta de ar, cansaço nas pernas, ou o próprio cansaço psicológico, que pode evoluir para casos de ansiedade ou depressão. Seja qual for a situação, a ajuda profissional existe para auxiliar quem precisa reencontrar o caminho.

A ajuda pode vir pela rede particular ou até mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma gratuita. Se informe pela Unidade Básica de Saúde (UBS) perto da sua casa2. Outra opção, para casos de moderados a mais graves, é o Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Nesses centros, profissionais de diversas áreas trabalham em conjunto. 3

Em todo o Brasil, é possível ter acesso via telefone 188 ao Centro de Valorização da Vida (CVV), ali é possível um atendimento emergencial e você pode conseguir também orientações para enfrentar o que está passando.4

Confira no mapa abaixo onde fica o centro de ajuda psicossocial mais próximo da sua casa5: