Aprenda a reconhecer os sinais da doença e a ajudar de verdade quem é afetado por ela.

Sem pensar muito, descreva uma pessoa com depressão.

É provável que você tenha imaginado uma pessoa muito triste, sentada em um canto escuro – ou algo do tipo, certo?

Os clichês sobre depressão criaram na nossa cabeça a ideia de que ela é sinônimo de tristeza e cansaço infinitos. Mas o desânimo e a melancolia são apenas faces mais visíveis da doença, que se manifesta de diversas maneiras e impacta várias regiões do corpo (algumas, inclusive, bem distantes do cérebro).1,2,3,4

Entender e reconhecer essas mudanças faz muita diferença para o sucesso do tratamento.

Um dos maiores obstáculos é que alguns sinais são tão individuais e, às vezes, sutis que pode ser difícil suspeitar que aquela sua amiga ou seu amigo que pouco se assemelha ao “clichê da pessoa deprimida” esteja precisando de ajuda. Ainda mais porque essa é uma condição que, infelizmente, ainda é cercada de tabus e mitos que atrapalham a busca pelo diagnóstico correto. 2,5,6

A boa notícia é que, hoje em dia, sabemos muito mais sobre o tema e como lidar com a depressão. Para desmitificá-la, preparamos um guia que ensina a enxergar os sintomas em si e nos outros e explica por que eles ocorrem. Confira:

Raio-X da depressão

COMO PARECE  ​​​​​​​POR FORA

COMO É POR DENTRO

Procrastinação / falta de motivação

Um dos principais sintomas da depressão é a perda de prazer e vontade de fazer desde tarefas mais complexas, como passear com os amigos, até as mais simples, como escovar os dentes. Isso ocorre em parte por conta da queda na ação de neurotransmissores no cérebro. Essas moléculas, responsáveis pela comunicação entre os neurônios, atuam em diversos departamentos: humor, sono, bem-estar, memória, aprendizado. E são liberadas em maior quantidade como recompensa quando fazemos algo divertido ou cumprimos tarefas. Quando esse processo não ocorre como deveria, a energia para fazer o mínimo também vai embora.

Raciocínio lento ou agitação

A depressão afeta o hipocampo, a amígdala e o córtex pré-frontal. Essas três regiões do cérebro respondem por funções importantes, como o processamento da memória, aprendizado, concentração e cognição. Por isso, quem enfrenta a doença pode ter problemas em tomar decisões, lembrar de certas coisas e até mesmo se concentrar durante uma aula ou reunião.

Insônia ou sono excessivo

Os motivos por trás da relação ainda estão sendo investigados, mas depressão e alterações no sono são velhas companheiras. Insones estão mais sujeitos a ter a doença – e quem está deprimido pode ter problemas para descansar. Isso ocorre, provavelmente, por conta de sua ação nos neurotransmissores serotonina, noradrenalina e gama-aminobutírico (Gaba). A bagunça durante a noite resulta em cansaço extremo ao longo do dia.

Mudanças de peso

As alterações na comunicação entre os neurônios podem afetar o apetite para mais ou para menos. Além disso, embora não dê para dizer o que vem primeiro ainda, hoje se suspeita que indivíduos com depressão podem ter alterações na microbiota intestinal, conjunto de bactérias que influencia no corpo todo, inclusive no comportamento, no humor e na sensação de saciedade.

Dores físicas

Dor e humor são comandados por regiões conectadas do cérebro. Por isso, assim como ocorre na insônia, quem tem depressão pode ter mais dores pelo corpo e quem tem dores crônicas provocadas por outras condições está mais sujeito ao transtorno. As queixas mais comuns são enxaqueca e incômodo na lombar.

Alterações de humor

Os neurotransmissores (de novo eles!) fazem com que o indivíduo passe por alterações extremas de humor: ora superagitado e eufórico, ora desanimado. Fora que a depressão está ligada a um aumento na produção de cortisol, o hormônio do estresse, que, em excesso, nos deixa mais tensos e ansiosos.

Infecções de repetição

Como a depressão frequentemente se manifesta na forma de pouco autocuidado, a pessoa pode deixar de ter atitudes que mantêm as defesas em dia, como fazer exercícios e ter uma alimentação equilibrada. Além de interferir no humor, o cortisol também desequilibra o sistema imunológico.


Referência: 2,5,8-17

"Isso é coisa da sua cabeça"

É importante lembrar que há muitos mecanismos fisiológicos envolvidos na depressão. O desequilíbrio nos neurotransmissores é o mais conhecido deles, mas a queda nos níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina não é a única responsável pela doença e seus sintomas físicos. Como vimos, outros fatores internos e externos contribuem para o desenvolvimento da depressão.1

"Mas você nem parece estar triste"

Existem vários tipos de depressão, além da “clássica” melancólica: bipolar, psicótica, ansiosa e ainda atípica, quando o humor não é tão atingido quanto outros processos do cérebro.

Procure ajuda, aceite ajuda

Saber identificar a depressão é o primeiro passo para vencê-la. Nem toda oscilação de humor, dor no corpo ou outro sintoma da lista acima será provocado por ela, mas, quando eles ocorrem com frequência e a maioria dos dias é ruim, é hora de procurar a ajuda de pessoas próximas e de médicos e especialistas.

Muitas vezes, é preciso que alguém de fora identifique a mudança e converse com a pessoa acometida, e isso deve ocorrer de maneira tranquila e honesta, sem julgamentos. É a empatia de saber ouvir o outro e a si mesmo que fará diferença na luta contra a doença.

A depressão é um transtorno real, com repercussões físicas e psicológicas, que precisa ser tratada como tal, e não como uma questão de personalidade ou caráter. Qualquer um está sujeito a ela, afinal de contas. O diagnóstico não é o fim do túnel. Pelo contrário, é a esperança de dias melhores. 2,5,19

Referências:

1. Porto F. Entrevista concedida à Chloé Pinheiro. São Paulo, 20 set. de 2018.

2. Scocca L. Entrevista concedida à Chloé Pinheiro. São Paulo, 20 set. de 2018.

3. Nestler EJ et al. Neurobiology of depression. Neuron (Elsevier), 2002 [acesso em 30 set 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0896-6273(02)00653-0.

4. Vilela LHM. Relação da depressão com os eixos hipotálamo-hipófiseadrenal, hipotálamo-hipófise-tireoide e o estresse precoce. Ribeirão Preto. Tese [Doutorado] – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP, 2014. [acesso em 28 set 2018]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/17/17148/tde-09122014-152101/publico/LUCIA_DOUTORADO.pdf.

5. Busin Y. Entrevista concedida à Chloé Pinheiro. São Paulo, 20 de set. de 2018.

6. Lazowski MK et al. Stigma and discrimination in people suffering with a mood disorder: a cross-sectional study. Depression Research and Treatment, 2012 [acesso em 28 set 2018]. Article ID 724848, 9 p., 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1155/2012/724848.

7. Segal A. Entrevista concedida à Chloé Pinheiro. São Paulo, 24 set. de 2018. 8. Naranjo CA, Tremblay LK, Busto UE. The role of the brain reward system in depression. Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, v. 25, n. 4, p. 781-823, 2001 [acesso em 30 set 2018]. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0278-5846(01)00156-7.

9. Murphy F et al. Decision-making cognition in mania and depression. Psychological Medicine, v. 31, n. 4, p. 679-693, 2001 [acesso em 26 set 2018]. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/psychological-medicine/article/decisionmaking-cognition-in-mania-and-depression/A9F53E02A8C4580C39D338B2038AC283.

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14. Vancampfort D et al. Risk of metabolic syndrome and its components in people with schizophrenia and related psychotic disorders, bipolar disorder and major depressive disorder: a systematic review and meta‐analysis. World Psychiatry, v. 14, p. 339-347, 2015 [acesso em 26 set 2018]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26407790.

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SABRAGE.MDY.18.10.0336

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