Você conversa com as suas amigas sobre sexo? E com o seu ginecologista? Consegue tirar as suas dúvidas mais íntimas nas consultas? Assuntos como saúde sexual, aborto e higiene íntima ainda são tabu e, por isso, dá vergonha de falar sobre eles. No entanto, desapegar-se dos próprios preconceitos e pudores pode ser crucial para o bem-estar da sua saúde sexual.

Para falar sem filtro sobre todos esses assuntos, a ginecologista Juliany Silva decidiu criar um personagem na internet. “Eu tinha uma página pessoal e os pacientes tiravam dúvidas por aplicativos de mensagens. Tinha algumas coisas que dava vontade de falar, mas não falava, pois não cabia a mim na posição de ginecologista”, relembra.

Surgiu, então, a famosa Ginecologista Sincera. Sob o alter ego, Juliany compartilha depoimentos e fala abertamente sobre temas relacionados à saúde íntima e comportamento sexual -- sempre com bom humor.

Segundo Juliany, as dúvidas mais frequentes que recebe na página são sobre saúde íntima, como dores e corrimentos, e gravidez -- principalmente sobre o medo de engravidar após sexo desprotegido. Depoimentos de abuso sexual também são frequentes. “Sempre que publico um, recebo um tsunami [de depoimentos sobre o assunto] em seguida. Também recebo muitas queixas sexuais e a principal é a falta de líbido”, afirma.

Mais um canal para falar sobre sexo

Foi graças à página em uma rede social que Juliany descobriu que duas de suas pacientes mais antigas, com quem tinha uma boa relação, já haviam sofrido estupros. “Elas nunca haviam falado sobre isso no consultório”, conta. Para a médica, portanto, a relação do paciente com o ginecologista poderia ser mais aberta e transparente. Os motivos são vários: há tanto mulheres que têm vergonha de se abrir, quanto profissionais que não têm jogo de cintura para falar abertamente sobre a saúde sexual feminina.

Formada em medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina, Juliany conta que não teve uma aula sequer sobre sexo na graduação, com exceção de uma optativa ministrada por uma enfermeira sexóloga. Na residência o cenário era ainda pior: a instituição não contava nem com um ambulatório de sexualidade.

Sexo sem tabu

A vergonha das pacientes e a falta de abertura de alguns profissionais não são os únicos fatores que levam as mulheres a levar as suas dúvidas para o Google. “É mais fácil e cômodo resolver de casa, usando pijamas, de graça”, afirma Juliany. Há, também, pessoas que a procuram online pois se identificam com seu discurso, cuja abordagem favorece uma visão mais integrativa da mulher, principalmente em relação ao sexo.

“Sexo é como se alongar, não tem tabu. É uma atividade humana física, social e emocional, tanto quanto dançar na boate ou sair para correr. Comigo [as mulheres] sabem que não é preciso ter vergonha”, completa.

Em relação à sexualidade, também há muito tabu em torno das doenças sexualmente transmissíveis. DSTs como HPV e clamídia são extremamente recorrentes e, no entanto, amigas não conversam sobre isso quando as adquirem. “Cheguei ao cúmulo de cauterizar verrugas de HPV em duas irmãs no mesmo dia, mas elas não haviam contado uma para outra”, explica Juliany. “Ninguém senta no bar para falar sobre infecções sexualmente transmissíveis. Precisamos tirar o estigma, pois assim vamos entender que precisamos nos cuidar”, completa.

A higiene íntima é outro assunto que precisa ser mais discutido. Na opinião de Juliany, o excesso de limpeza, prejudicial à saúde, está relacionado não a um tabu, mas à falta de informação. A ginecologista conta que recebe mais mulheres com queixas causadas por esse excesso do que à falta de higiene.

Internet, use com moderação

Nesse sentido, a internet seria uma “força modificadora”. Além da própria página, Juliany conhece grupos e coletivos que estão discutindo assuntos relativos ao feminino de forma aberta e empática.

“Há muito debate de qualidade, promovido por quem faz um trabalho sério e bacana. Também tem muita gente louca falando besteira. Mas com o tempo vamos conseguir trazer informações para que a maioria das mulheres saibam separar o joio do trigo, principalmente em relação à saúde e à sexualidade, os temas mais procurados na internet”, declara.

Portanto, é preciso tomar cuidado ao procurar informações na internet. Para Juliany, o ideal é procurar tirar suas dúvidas em fontes confiáveis, como sites de instituições. Mas nada substitui a consulta presencial, fundamental para a boa saúde da mulher.

Se você tem vontade de desabafar, bater um papo ou encontrar acolhimento e empatia, converse com o seu médico de confiança. Além disso, não deixe de conversar com as suas amigas. Vocês provavelmente têm mais em comum do que imaginam.

REFERÊNCIAS

Matéria produzida a partir de entrevista com a ginecologista Juliany Silva.

SABRAGE.MDY.19.02.0059